segunda-feira, 13 de outubro de 2014

Já não se escrevem cartas de amor


Os sentimentos já não se guardam no interior dos envelopes. As palavras escasseiam nas pequenas folhas de papel dobradas em três. Pobre papel… Este, sentindo-se rejeitado, permanece nos blocos, envelhecido e desgastado, ansiando pelo toque da esfera de metal que nunca passa para deixar um rasto de tinta, para deixar a marca de um grande amor.

O tempo escasseia para que se escrevam grandes prosas românticas. E já não há quem aguente a espera pela chegada das palavras de amor. Os dedos irrequietos percorrem as teclas do telemóvel, o teclado do computador, não há tempo a perder. Se a mensagem de amor não é respondida de imediato é porque algo de fora do normal teve lugar. Os pensamentos soturnos abrem caminho na mente envenenada de amor: ficou sem bateria? O saldo acabou? A Net caiu? Já não me ama?! Só há descanso depois do pequeno envelope começar a piscar de novo no ecrã minúsculo.

As folhas em branco têm saudades de serem amarrotadas e deitadas fora em ataques de falta de inspiração. Os envelopes têm um desejo masoquista de sentirem a lâmina a rasgar parte de si, de serem abertos pelas mãos trémulas do enamorado ansioso, depois de dias, semanas de espera. Se não há inspiração basta um delete. Para abrir a esperada mensagem de amor um clique é suficiente. Já não há encanto?

Dantes o amor parecia mais real, cara-a-cara, corpo a corpo e por carta. Será? E se uma carta de amor for sempre uma carta de amor, independentemente do meio pelo qual é enviada? E se as grandes prosas de amor forem enviadas em tamanho de quatro mensagens ou num e-mail bastante pesado? Talvez o conteúdo não mude. Talvez apenas os meios se alterem, mas os sentimentos permanecem os mesmos.


Publicado originalmente no Esta Jornal, 23 Dezembro 2010



Sem comentários: